Ouro branco no país da burla negra

Artigo publicado no n.º 192 do Novas da Galiza (setembro 2020).

Logo do ouro de Corcoesto, o cobre de Touro, a caliça de Cova Eirós, o seixo do Pico Sacro e da Terra Chá e o volfrâmio de Sanfins e Barilongo chegou a febre do lítio que nos últimos anos tem colocado em pé as terras irmãs d’Além-Minho.

O lítio que a UE ditaminou este ano ser uma matéria-prima crítica, justificando imensas transferências de fundos europeus para o desenvolvimento de projetos de mineração como os da Serra d’Arga, a Serra da Estrela, as Terras do Barroso Barroso ou a Serra da Mosca em Cáceres.

O mesmo lítio que consumimos compulsivamente em aparelhos eletrónicos que minam as nossas vidas e que mesmo está chamado –dizem– a salvar do caos climático um mundo que irá de passeio em carro Tesla.

Esse metal que, mesmo sendo plenamente reciclável, finaliza a sua vida nos aterros do mundo: na Europa, mais de 95% acaba submergido nos mares de resíduos industriais. Para 2030, estaremos jogando fora em aterros mais de 2 milhões de toneladas por ano. Triste tragédia –acabar novamente soterrado sob a terra, ou o lixo– para um metal cuja extração das entranhas do nosso planeta causa tanta destruição.

A Galiza não é alheia a estra tragédia, na que somos simultaneamente réus e verdugos. O primeiro projeto de lítio em curso pretende abrir um funda fenda –de 300 metros de profundidade e quase 30 km de longitude, para sermos precisas– ao pé das serras do Cando e do Suído, nas cabeceiras do Lérez e Doade.

Presqueiras, Correia, Doade, Azevedo, Rubilhom, Taboaças … são os nomes das comunidades na fenda. E também o nome das distintas fases nas que a empresa promotora, pouco a pouco, pretende esfolar e abrir vales e montanhas, deitando fóra águas ácidas de mina carregadas com metais pesados –para as que não se prevê nenhum tratamento– e minérios radioativos.

Conhecedoras das consequências, empresa e administração consensuaram furtar o projeto do conhecimento público. Sob pretextos absurdos, pretenderam outorgar as licenças prescindindo do trâmite de avaliação de impacto ambiental. Com isto, não só se pretendia ocultar a desfeita mas, principalmente, omitir um seguimento ambiental futuro que a poria em evidência.

A manobra fracasou ante uma vicinhança atenta e combativa, mas ilustra uma pauta continuada e sistemática por parte da Administração de minas da Junta na procura de evitar a participação social e o controlo ambiental.

Reproduz-se assim uma estratégia que já fora utilizada em projectos como os de Sanfins, em Lousame, Barilongo, em Santa Comba, ou Cova Eirós, em Triacastela, nos que as consequências desta omissão se sentem em rios e rias contaminados por metais pesados e património cultural único destruido para sempre.

Se naqueles projetos os empresários ‘amigos’ procediam duma tentativa de reconversão mineira após o fim da bolha imobiliária, a promotora da mina de lítio não é outra que uma filial de SAMCA, ‘Sociedad Minera Catalano Aragonesa’, um holding em processo de reconversão desde a minaria do carvão para a do lítio e outros denominados minérios ‘críticos’.

SAMCA é tristemente famosa polo seu vínculo com central térmica de Andorra, em Teruel, uma das mais poluintes da Europa até que pechou em fevereiro deste ano e responsável pola chuva ácida que arrasou 200.000 hectares de bosques da comarca de El Maestrat nos anos oitenta. Hoje a desfeita de El Mastrat poderia começar de novo nas fragas de Porto Espinho e Girarga e poluir com drenagens ácidas dodo o vale do rio Doadee.

Não seria a primeira vez que se tenta tal desfeita. Entre 2013-2014 tentou-no a anterior titular dos ‘direitos mineiros’, esses que permitem a expropriação forçosa aplicando a Lei de Minas de 1973 e a Lei de Expropriação de 1954, ambas franquistas e vigorantes. Direitos aos que as mineiras colocam nomes de santos ou de mulheres, neste caso deste último gênero: Alberta (I e II), Maite, Carlota e Macarena. Engenharia social.

Solid Mines España, filial da ‘junior’ canadense Solid Resources, iniciou em 2013 o mesmo trâmite que agora tenta SAMCA às agochadas, mas abandonou antes de que fosse determinada a necessidade de submeter o projecto a avaliação de impacto ambiental. A tempo para vender –como fazem as ‘juniors’ quando conseguem convencer alguém de que deram com um bom negócio– e desaparecer. Já na altura o projecto causara revolta nos vales de Doade e Presqueiras. Ninguém esqueceu.

No entanto, a “Alberta I” contra a qual se levantou novamente a revolta, era apenas um dos direitos com os que Solid Mines e as suas empresas afins pretendiam levar o lítio, tantálio e outros minerais “críticos” que agocham estas terras. Salamanca Ingenieros S.L. adotou o nome de guerra especulativo “Sequoia Venture Capital”, pronta a vender ao melhor postor a “Maite” (que ocupa as paróquias de Avião, Moreiras, Feás, Córcores e Cardelhe, no mesmo vale do rio Doade), “Macarena” (nas de Beariz e Baíste) e “Carlota” (nas de Couso, Avelenda, Amiudal, A Granha, Nieva e Prado ).

Com a “Alberta II” ficou Strategic Minerals Spain, a mesma empresa que se fez com a mina e nióbio, tantâlio e estanho da Penouta em Viana do Bolo, parte do antigo império do magnate espanhol Ruiz Mateos expropriado por Felipe González em 1985. Ninguém lembrou o desastre ambiental que deixou detrás a mina e nem o Estado nem a Junta deram conta da restauração. A “Alberta II” promete um legado similar ao sul da sua irmã do norte, ameaçando com fazer avançar a fenda de Rubilhom e Toboaças para a parróquia de Couso.

“Alberta II” será o próximo projeto a tentar desenvolver-se e, cientes da forte oposição local a um projecto de mineração destrutiva e contaminante, Strategic Minerals adiantou-se a SAMCA unindo-se à “Tarantula”, um projeto financiado com 7 milhões de euros da União Europeia que tem entre os seus objetivos avançar na chamada “licença social para operar” (SLO). SLO é o novo eufemismo para as tácticas de engenharia social, violência, subornos e ‘greenwashing’ com os que as mineiras pretendem desarmar a oposição social.

A crescente presão da UE para aumentar a especulação por volta das matérias-primas críticas abriu já um novo campo de batalha para a defesa da terra e da dignidade das comunidades rurais, onde podemos e devemos aprender dos erros e acertos de lutas como as de Touro ou Corcoesto para garantir que o lema aniquilador “Galicia es una mina” nunca chegue a ser realidade.

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